Como guardião da Constituição brasileira, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem atuado não só para garantir direitos fundamentais, tal qual a igualdade de gênero, mas também reparar desconformidades históricas infligidas contra as mulheres. Em diversos casos julgados no Plenário da Corte, como os apresentados a seguir, a proteção às mulheres norteou os votos e manifestações das ministras e dos ministros criando importantes precedentes relacionados ao tema.
Violência doméstica
Apesar de não ter sido a primeira legislação para promover a igualdade, a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) marcou uma nova fase na luta contra a violência de gênero. Criada em 2006 e resultado de uma denúncia apresentada na Comissão Interamericana de Direitos Humanos contra o Estado brasileiro, a legislação foi batizada em homenagem a Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de constantes atos de assédio, agressão e até tentativa de homicídio pelo próprio marido. Com o início da vigência da lei, o Supremo passou a receber processos relacionados à sua aplicabilidade, como a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 19 e Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4424, julgadas em 2012.
Visando pacificar o entendimento e viabilizar decisões uniformes em todas as instâncias do Judiciário, a unanimidade do Plenário acompanhou o relator, ministro Marco Aurélio, na ADC 19. Em seu voto, o hoje decano apontou que, “sob o ponto de vista feminino, a ameaça e as agressões físicas não vêm, na maioria dos casos, de fora. Estão em casa, não na rua. No tocante à violência doméstica, há de considerar-se a necessidade da intervenção estatal”. Na mesma sessão, o Plenário votou a ADI 4424 estabelecendo que nos crimes de lesão corporal praticados contra a mulher no ambiente doméstico, o Ministério Público (MP) tem legitimidade para deflagrar ação penal contra o agressor sem necessidade de representação da vítima.
Antecipação de parto de anencéfalo
Também em 2012, o Supremo julgou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54, entendendo ser desnecessária autorização judicial para antecipação de parto no caso de fetos anencéfalos. Apesar de o Código Penal prever a possibilidade de aborto quando existe risco à vida da gestante ou em casos de estupro, o relator do caso, ministro Marco Aurélio, entendeu que “o aborto do feto anencéfalo tem por objetivo precípuo zelar pela saúde psíquica da gestante, uma vez que, desde o diagnóstico da anomalia (que pode ocorrer a partir do terceiro mês de gestação) até o parto, a mulher conviverá com o sofrimento de carregar consigo um feto que não conseguirá sobreviver”.
Porém, antes desse caso, o STF já havia discutido a questão no Habeas Corpus (HC) 84025, em 2004, que, mesmo julgado prejudicado pelo tempo decorrido, possibilitou um debate entre os ministros a respeito do aborto de anencéfalos. Segundo o ministro Joaquim Barbosa, relator do HC, “qualquer que seja o momento do parto ou a qualquer momento em que se interrompa a gestação, o resultado será invariavelmente o mesmo: a morte do feto ou do bebê. A antecipação desse evento morte em nome da saúde física e psíquica da mulher contrapõe-se ao princípio da dignidade da pessoa humana, em sua perspectiva da liberdade, intimidade e autonomia privada? Nesse caso, a eventual opção da gestante pela interrupção da gravidez poderia ser considerada crime?".
Cotas partidárias
No sentido de garantir maior paridade política de gênero na elaboração de leis e, dessa forma, viabilizar um Estado democrático pleno, o Supremo analisou a ADI 5617 sobre a legitimidade das cotas para participação política das mulheres, em 2018. Na ocasião, o relator, ministro Edson Fachin, considerou constitucionais as cotas a fim de promover a participação política das mulheres e lembrou que “tal como a paz, não haverá verdadeira democracia enquanto não se talharem as condições para tornar audíveis as vozes das mulheres na política”. O voto do relator foi acompanhando pela maioria do Plenário, na ocasião, presidido pela ministra Cármen Lúcia.
Defesa da honra
Recentemente, a Corte interpretou como inconstitucional a legítima defesa da honra, que encontrava amparo na tese de legítima defesa. Para o relator do caso, ministro Dias Toffoli, “aquele que pratica feminicídio ou usa de violência, com a justificativa de reprimir um adultério, não está a se defender, mas a atacar uma mulher de forma desproporcional, covarde e criminosa”. A decisão do relator está submetida a referendo no Plenário Virtual para deliberação dos demais ministros.
Diversos outros casos julgados no STF levaram a decisões que promoveram a igualdade de gênero, combateram o feminicídio e protegeram a dignidade das mulheres. Entre elas, por exemplo, a possibilidade de remarcação de teste de aptidão física para mulheres grávidas; a conversão em prisão domiciliar de mães e gestantes presas preventivamente; e a inconstitucionalidade da incidência de contribuição previdenciária sobre o salário-maternidade. Ainda que reste muito espaço para seguir com a luta por oportunidades igualitárias, o Supremo tem mantido o compromisso institucional de garantir, por meio de suas decisões, melhores condições para a vida da mulher.
Publicação
Para consolidar a jurisprudência a respeito dos direitos das mulheres, o Supremo lançou em 2019 a publicação Proteção da Mulher, que compila as principais decisões e bibliografia temática sobre o tema. A obra retrata o contexto histórico do movimento feminista no Brasil, relata a atuação das congressistas na elaboração da Constituição de 1988 e cita as conquistas normativas, ações e instrumentos voltados à proteção da mulher.
GT/EH
Com informações da assessoria de imprensa do STF.
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