Diversidade e Literatura
#04 – Coluna de Edilayne Ribeiro
E se nós tivéssemos apenas 4 sentidos?
Você se lembra do texto anterior, no qual abordamos a deficiência sob a perspectiva da “defectologia” – termo desenvolvido por Vygotsky, que buscava dar ênfase aos aspectos totais, positivos e interacionistas da criança, em vez de segregá-la pelas características de sua deficiência? Pois bem… Vygotsky foi inovador nesse tema quando, além de estudar tudo isso, abriu um questionamento importante: e se o ser humano fosse dotado não de 5 sentidos, mas de 4, como seria formado seu conhecimento e como aconteceria seu desenvolvimento?
Antes de contar qual foi a conclusão de Vygotsky, vale contextualizar: o ser humano possui 5 sentidos, certo? Errado! A neurociência apontou, muito recentemente, que temos 7! Além dos conhecidos, que são o olfato, a visão, a audição, o tato e o paladar, também temos a interocepção (que é a percepção do nosso cérebro sobre a informação que acontece em nosso organismo, como por exemplo a fome, a respiração, o funcionamento do nosso estômago, etc) e a propriocepção (que é a percepção do nosso cérebro sobre o nosso corpo no mundo, ou seja, nossa postura, gestos, coordenação e equilíbrio durante um movimento, e outros).
Nessa linha de raciocínio, a neurociência também afirmou que os novos sentidos descobertos são ainda mais importantes que aqueles sentidos clássicos, porque são eles que vão nos ajudar a saber se nossa saúde está boa, se estamos mantendo nossas necessidades em dia e se estamos reagindo bem às interações do nosso corpo no espaço.
Agora, relacionando as novas informações ao tema principal, sabe o que Vygotsky nos dizia desde aquela época? Que a criança não sente diretamente a deficiência, mas que percebe as dificuldades que derivam dela, e por isso é importante que as crianças estejam muito bem inseridas socialmente, com a garantia de uma educação inclusiva e boas perspectivas de futuro, porque o que decide o destino de suas personalidades não é a deficiência em si mesma, mas suas consequências sociais.
Parece que, dessa forma, mesmo um século depois estamos conseguindo fazer valer as ideias de um autor que tanto lutou por um desenvolvimento infantil respeitoso, de crianças com ou sem deficiência, né?!
Vygotsky, especialmente em seu livro “Problemas da Defectologia” (2021), entendia que as características próprias da deficiência criam uma tendência elevada para o desenvolvimento. Como assim? Explico: as dificuldades físicas, sensoriais e intelectuais formam um processo de criação e recriação da personalidade, reestruturando todas as funções de adaptação, de formação de novos processos de desenvolvimento e de trilha para novos caminhos. E que isso é fortalecido pela interação social, claro, conforme já vimos; mas também acontece por meio da própria capacidade de adaptação da pessoa com deficiência.
O autor dizia que, em resumo, o desenvolvimento da criança é direcionado para o alcance de um nível social necessário, e que isso acontece por meio de três momentos: a inadaptação da criança ao meio sociocultural cria obstáculos em seu crescimento → esses obstáculos servem de estímulo para o desenvolvimento compensatório, gerando também uma perspectiva de futuro → a presença desses obstáculos eleva as funções do nosso corpo e do nosso cérebro ao aperfeiçoamento, superando-os e, com isso, adaptando-se ao mundo.
Com base no autor, diante de todo esse processo, a personalidade da criança com deficiência se equilibra e busca compensações, considerando o seu próprio processo de desenvolvimento e adaptação. A educação tem um papel fundamental para isso acontecer, e Vygotsky advoga fortemente por isso! Ele diz, na página 33 de seu livro, que “o importante não é que o cego veja as letras, mas que saiba ler”, em outros termos, que tenha um ensino personalizado e adaptado e que tenha espaço para seu próprio processo de adaptação à vida, apesar das características existentes por conta de sua deficiência.
Assim sendo, eu volto a perguntar… E se nós tivéssemos apenas 4 sentidos? Para Vygotsky (e, agora, para a neurociência), nada de substancial mudaria em nosso conhecimento e desenvolvimento, porque o pensamento continuaria sendo o mesmo, já que a forma como experienciamos a nossa realidade é o que realmente importa – com 4, 5, 7 ou 1.000 sentidos, nós nos adaptamos! Mas e no sentido social… Será que é bom que nada de substancial mude?
Ainda não alcançamos uma verdadeira equiparação na realidade das pessoas com deficiência dentro de um mundo feito para pessoas sem deficiência. Nossos esforços, então, deveriam estar direcionados para criar uma sociedade na qual a presença de uma deficiência não represente uma barreira, e, nesse contexto, nada de substancial mudaria em termos de valor, dignidade e potencial humano, mas em termos de estrutura da sociedade tudo, sim, precisaria mudar.
Edilayne Ribeiro
ASID Brasil – 2023
VIGOTSKI, Lev Semionovitch. Problemas da defectologia. São Paulo: Expressão Popular, 2021.
Sobre a autora:
Edilayne Ribeiro é psicóloga, especialista em Neuropsicologia e mestra em Educação, membra da Comissão de Educação Inclusiva da Universidade Tuiuti do Paraná e palestrante nos temas pessoa com deficiência e sexualidade. Atualmente é Líder na ASID em Projetos de inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho.
Sobre a ASID Brasil:
A ASID Brasil é uma ONG que promove a inclusão socioeconômica da população com deficiência. Através dos pitches e pesquisas, a ASID Brasil entende melhor o cenário para oferecer sempre uma solução bem segmentada e focada nas dores dos beneficiários. Nossa literatura é uma forma de inovação social e bom uso de informações e dados para impactar o ecossistema de inclusão. Somos agentes empreendedores que alcançam a excelência realizando mudanças sociais movido a metodologias, estudos e inteligência plural.
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