Diversidade e Literatura
#02 – Coluna de Edilayne Ribeiro
A coluna Diversidade e Literatura, escrita por Edilayne Ribeiro, busca conectar a literatura da pauta de diversidade e inclusão. Todo mês, Edilayne seleciona uma obra literária e traz sua análise pessoal, compartilhando importantes pontos de reflexão.
Na Coluna de Dezembro, Edi traz reflexões de uma obra de 2019, chamada “Entre a surdez e a língua: outros sujeitos… novas relações (intérpretes e surdos desvelando sentidos e significados)”, de Silvana Elisa de Morais Schuber.
Qual é a relação entre a surdez e a língua?
Entre a surdez e a língua existe um vasto mundo de experiências, identidades e, principalmente, relações.
E é exatamente este o nome – “Entre a surdez e a língua: outros sujeitos… novas relações (intérpretes e surdos desvelando sentidos e significados)” – de um livro de 2019 escrito por Silvana Elisa de Morais Schubert, autora que se debruça aos estudos da educação inclusiva, mais especificamente a educação de surdos e a/o intérprete no contexto educacional.
Ao pensar em deficiência auditiva, logo pensamos em conceitos (“o que é essa deficiência?”) ou terminologias (“é errado falar ‘surdo-mudo’?”); também nos vem à cabeça preocupações com boas práticas (“como vou me comunicar com uma pessoa surda?”) e lembretes pro futuro (“preciso aprender Libras urgentemente!”), mas pouco tempo se dedica a realmente conhecer a realidade da comunidade surda, sua história, seus interesses, suas particularidades e suas relações.
Neste artigo, não falarei sobre a deficiência auditiva em si. (Para mais referências no assunto, consulte nosso ebook!). Quero, entretanto, compartilhar as reflexões mais marcantes que o livro me trouxe, especialmente por seu diferencial: a relação da pessoa surda com sua ou seu intérprete, em contextos educacionais, como a interpretação em Libras durante aulas nas escolas ou faculdades. Para analisar isso, a autora entrevistou sete intérpretes e oito pessoas surdas universitárias (e o mais legal de tudo é que as entrevistas estão transcritas na íntegra no final do livro!), e abaixo eu apresento alguns dos temas que mais emergiram dessas conversas.
Vale ressaltar que o livro aborda o contexto educacional, o que significa que as reflexões poderiam se modificar caso estivesse sendo abordada a interpretação em Libras em um evento ou em um vídeo, por exemplo.
Afeto: geralmente se dá um grande enfoque à técnica e à qualidade, mas quase não lembramos que, apesar desses itens serem importantes, existe algo que permeia o momento da interpretação em Libras em contextos educacionais: o afeto! Algumas pessoas entrevistadas mencionam que a confiança (ou a falta dela), bem como comportamentos éticos ou antiéticos da/o intérprete, interferem muito no contato e no dia-a-dia educacional. O vínculo afetivo, portanto, é a primeira grande construção que se faz nessa relação, e que deve ser melhor explorada na atuação desses profissionais.
Neutralidade: uma das regulamentações do Código de Ética da/o intérprete em Libras é manter a neutralidade em seu trabalho. Essa neutralidade diz respeito primeiramente às roupas e acessórios, pois é importante que use, por exemplo, roupas pretas, não esteja com joias ou estampas chamativas, faça uso de esmaltes em cores mais neutras, etc, para não desviar ou cansar a atenção da pessoa surda. Mas, outro ponto que a neutralidade aborda é a de opiniões. Será que é possível manter opiniões neutras durante a interpretação? Algumas e alguns intérpretes preferem ter uma abordagem mais tradicional e interpretar apenas o que é dito pelo/a professor/a, mas outros profissionais discordam dessa possibilidade, afirmando que não tem como se isentar completamente do sujeito intérprete, pois, conforme diz uma das entrevistadas, “nenhum discurso é completamente neutro”, já que “sempre há a influência de quem fala e da experiência de quem traduz”. Tradutores e intérpretes são sujeitos sócio-históricos, com ideias, desejos, valores, cultura, opiniões políticas e sociais, e etc, e, sendo o seu instrumento de trabalho a comunicação, essas características acabam impactando de alguma forma. Então, a neutralidade deve ser um questionamento importante para pensar o limite e a consequência de envolver muito mais do que uma tradução literal de informações.
Atuação pedagógica: na interpretação em Libras educacional, os outros atores da escola são muito importantes também! Vale considerar que aluna/o e intérprete não estão sozinhas/os nesse contexto, isto é, as e os professores precisam entender a importância dessa relação; a equipe pedagógica precisa decidir com cuidado em situações de necessidade de troca de intérprete; as e os colegas de sala devem agir com respeito e paciência no processo de inclusão; dentre outros. Aqui, conclui-se que todas e todos devem participar de uma educação inclusiva, para que cada aula, cada conteúdo, cada dúvida e explicação tenham sentido dentro e fora da escola ou faculdade.
Chegando ao fim dessas reflexões, não se pode esquecer que isso não estaria sendo colocado em pauta se não fosse o fato de que a/o intérprete é um direito da pessoa surda! Contudo, ainda se discute qual é o seu real papel nessa relação. No livro, reflete-se sobre a pessoa intérprete como uma ponte de ligação, questiona-se sobre ser também educadora ou apenas alguém que traduz… Mas, a conclusão que eu mais me apoio é: o profissional intérprete é um mediador de mediações! Não exerce protagonismo na história da pessoa surda, mas caminha ao seu lado sendo um dos principais participantes dela, tendo a língua de sinais como papel determinante.
Outros desdobramentos do livro – e que aqui eu menciono para dar o gostinho de “quero mais”! – são sobre a falta de reconhecimento legal e salarial do profissional intérprete; a história da educação surda e a origem desse profissional; a dependência existente nessa relação (quem depende de quem? Se a pessoa surda desaparece, o profissional de Libras também desaparece? Mas, por outro lado, sem o profissional intérprete, a pessoa surda corre o risco de estar silenciada nesses espaços?), e muito mais.
A língua de sinais, assim como toda língua, desempenha um papel central na construção da identidade e da cultura das pessoas. Neste caso, a Libras é a chave para a relação da pessoa surda com as demais pessoas, sua efetiva inclusão na sociedade e afirmação de sua autonomia. Mas, para além disso, a relação entre a surdez e a língua também aborda reflexões sobre igualdade de direitos, diversidade linguística, cultura, o caminho (ainda longo) a ser trilhado na educação inclusiva, e outros mundos que leituras com essa permitem que a gente acesse!
Edilayne Ribeiro
ASID Brasil – 2023
Agradecimento especial à Lariessa Sampaio (colega e pessoa surda) e Bruna Garcia (colega e intérprete de Libras), que contribuíram na leitura deste texto antes de sua publicação.
Sobre a autora:
Edilayne Ribeiro é psicóloga, especialista em Neuropsicologia e mestra em Educação, membra da Comissão de Educação Inclusiva da Universidade Tuiuti do Paraná e palestrante nos temas pessoa com deficiência e sexualidade. Atualmente é Líder na ASID em Projetos de inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho.
Sobre a ASID Brasil:
A ASID Brasil é uma ONG que promove a inclusão socioeconômica da população com deficiência. Através dos pitches e pesquisas, a ASID Brasil entende melhor o cenário para oferecer sempre uma solução bem segmentada e focada nas dores dos beneficiários. Nossa literatura é uma forma de inovação social e bom uso de informações e dados para impactar o ecossistema de inclusão. Somos agentes empreendedores que alcançam a excelência realizando mudanças sociais movido a metodologias, estudos e inteligência plural.
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